[03/19] Sobre me tornar "O Estagiário" da Vandal
Movido a pessoas incríveis, parte 3 de 19
Essa é a história da minha vida e da minha trajetória empreendedora. Também é a história não contada sobre como criamos a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 3 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.
Na virada de 2012 para 2013 eu comecei a trabalhar com o Arturo na empresa que ele havia fundado dentro da Innvent. Aqui vale darmos alguns passos atrás para contar um pouco dessa história. Quando a Innvent começou, seguindo um modelo quase que de “Venture Builder”, buscava teses de negócios em que acreditava, os conectava com fundadores e dava apoio para tirar essas ideias do papel. A grande maioria desses potenciais fundadores eram alunos ou ex-alunos da engenharia de produção da UFRJ e alguns foram até contratados como “empreendedores em residência” – talvez mais para “estagiários em residência” – para desenvolver essas ideias de negócios.
A ideia da Vandal surgiu a partir de um grupo de estudos sobre negócios que faziam sucesso nos US e poderiam ser “tropicalizados” para o Brasil. Os cases incluíam Zazzle, Threadless e Cafepress. Todas essas empresas usavam crowdsourcing e tecnologias de produção sob demanda para vender produtos únicos online para comunidades criativas em um modelo de negócios com efeito de rede positivo. O principal produto de todas eram camisetas. A Vandal foi idealizada como um marketplace onde qualquer pessoa poderia criar uma estampa e disponibilizar para a venda como uma camiseta. Sempre que uma venda fosse feita, a empresa faria a produção da peça, enviaria para o cliente final e o criador poderia receber parte do lucro. Para clientes compradores era um lugar onde se poderia encontrar camisetas das mais variadas e para quem criava as artes, era uma maneira de fazer dinheiro na internet e ser reconhecido com uma facilidade nunca antes vista.
A trajetória do Arturo tinha tudo a ver com a Vandal. Logo nos primeiros períodos da faculdade, ele ficou encarregado de organizar a chopada do seu curso. A chopada da engenharia de produção era uma das mais cobiçadas da UFRJ. Parte porque era de graça e parte porque eles organizavam tudo em segredo e anunciavam no dia o local e o horário. Ou seja, organizar a chopada da produção era uma responsabilidade grande.
Para arrecadar fundos para o evento, todo ano eram feitas camisetas da turma para os calouros comprarem. E adivinha pra quem sobrou essa missão? Arturo, safo como sempre foi, assumiu essa bronca e resolveu subir a barra. Se questionou porque limitar as camisetas aos calouros e resolveu criar um modelo de camiseta que os veteranos também quisessem usar, assim aumentaria a arrecadação, o que resultaria em mais cerveja para todos. Para isso precisaria ser uma camiseta numa qualidade muito melhor do que as tradicionais das chopadas. Foi atrás de fornecedores e descobriu tudo sobre o processo de confecção das peças.
Nessa pesquisa, seu primo que trabalha com máquinas industriais o apresentou uma impressora japonesa de uma empresa chamada “Brother” que era capaz de produzir as peças sob demanda numa qualidade muito superior ao transfer ou silk convencional. Arturo ficou encantado com a descoberta, mas não usou essa informação para muita coisa e acabou recorrendo a fornecedores tradicionais para fazer as camisetas da chopada.
Uma história engraçada dessa época é que na véspera de uma prova de Cálculo, o Arturo combinou de ir pra casa do seu primo desenhar as estampas das camisetas. Ele conta que encontrou com a mãe dele na sala de casa e ela deu o maior esporro nele esbravejando algo nas linhas de: “Você não tem prova amanhã cedo!? O que você quer pra sua vida, ficar fazendo camiseta ou ser engenheiro?!”. Mal sabia ela… - talvez tudo que você leia nos próximos capítulos seja uma grande praga de mãe.
Bem, avançando alguns anos no tempo, Arturo era um dos alunos da produção que fazia parte dos grupos de estudo da Innvent. Quando surgiu a ideia de montar um negócio que envolvia produção de camisetas sob demanda, ele era o cara pra isso. Montaram o plano de negócios, estudaram o mercado, desenharam como seria o sistema e estudaram a viabilidade técnica da coisa toda.
Quando chegou o momento de responder a pergunta de como seriam produzidas as peças, Arturo tinha a resposta na ponta da língua: a impressora japonesa!
Estava decidido, criariam um negócio de impressão sob demanda baseado em crowdsourcing e Arturo seria um dos fundadores. O que ninguém esperava era que os resultados do processo seletivo para intercâmbios da UFRJ haviam sido divulgados mais ou menos na mesma época. Grande parte desse grupo da Innvent foi aprovado e quase todos decidiram ir. Menos Arturo, que estava tão convicto na ideia de empreender que resolveu ficar para fundar a empresa. Só que agora precisava de um sócio.
Rafael Clemente adorou a ideia do negócio e viu em Arturo a garra necessária para fazer aquilo acontecer. Algumas semanas depois encontrou o cofundador ideal para a empresa. O outro sócio era Ricardo, uma das pessoas mais criativas e caóticas que já conheci e com um espírito empreendedor arrojado. Ricardo morava em Porto Alegre e largou tudo para vir pro Rio de Janeiro quando conheceu o Clemente em um evento onde apresentou sua ideia de criar uma marca de camisetas colaborativa.
O desenho estava feito, Arturo, Ricardo e Innvent seriam os sócios do novo negócio que se chamaria Vandal, batizada a partir de uma citação de Banksy, artista de rua inglês. Arturo e Ricardo tocariam o negócio e a Innvent investiria na compra da tal impressora de camisetas, forneceria um espaço dentro do escritório da Elo Group e ofereceria ajuda na parte de negócios e tecnologia conforme necessário.
Para validar a ideia de negócio, Arturo usou sua vasta rede de contatos e amigos – é sério, eu brinco que ele poderia ser vereador se quisesse – para encontrar pessoas interessadas em fazer camisetas e alguém que tivesse a tal impressora aqui no Rio de Janeiro. Um dos primeiros clientes foi o N design, o Encontro Nacional dos Estudantes de Design. A sagacidade foi acordar preços com os fornecedores e fazer a venda sem ter nem o produto nem o maquinário. Com cerca de 300 camisetas já vendidas, foi bem mais fácil comprar o estoque e alugar a impressora dos donos de uma loja que a usavam pouco. E assim foi validada a primeira versão do produto, e ainda lançando a marca para um público alvo extremamente relevante.
A Vandal não era nem de longe uma marca convencional. Pra começar, no site os usuários não adicionavam suas compras em um carrinho de compras. Carrinho de compras lembra supermercado e ninguém gosta de ir ao supermercado. Na Vandal, os clientes adicionavam seus pedidos ao “Foguete de Compras”, porque isso era muito mais maneiro e foguete chega voando na sua casa.
A surpresa maior era quando os clientes recebiam as compras e as embalagens eram caixas de papelão em formato de foguete. Além disso, as camisetas eram enroladas em uma tira de plástico bolha, com a seguinte mensagem: “A gente sabe que não precisa de plástico bolha para a sua camiseta chegar bonitona na sua casa, mas não queremos que você espere até a compra da próxima geladeira para sentir o indescritível prazer de estourar um plástico bolha”.
Quando a Vandal participava de feiras presenciais, sempre fazíamos “open bar de gás hélio”. Alugávamos cilindros de gás hélio e distribuíamos bexigas para as pessoas poderem usar o gás na hora e falarem com a voz fina por alguns segundos, ou “pra viagem” e andar por aí com seu balão, que fazia sucesso com as crianças.
Nossos e-mails eram sempre assinados com “Abraço de Urso” para ter um tom mais amigável e o atendimento era feito pelo “Estagiário da Vandal”. O Estagiário era um personagem fictício, que tinha até perfil no Facebook para interagir com clientes, e era sempre o culpado por tudo que dava errado. A ideia surgiu quando um e-mail marketing foi enviado por engano para alguns clientes e resolveram pedir desculpas dizendo que tinha sido o estagiário que enviou. Deu tão certo que o próprio e-mail do SAC se tornou estagiario@vandal.com.br.
Por isso, quando entrei na Vandal como estagiário, eu não era um estagiário qualquer, eu era “O Estagiário”. Quando conheci mais sobre a Vandal, Arturo e Ricardo, fiquei encantado e os convenci de que fazia sentido trabalharmos juntos. Eu estudava engenharia na UFRJ, já tinha tido uma marca de camisetas, adorava startups e queria empreender mais do que tudo. A vaga disponível era para ajudar na operação do negócio. Até então, os sócios se revezavam operando o maquinário e fazendo a produção das camisetas e estavam buscando alguém para fazer esse trabalho operacional enquanto eles poderiam focar em fazer a empresa crescer. Quando recebi a proposta eu topei na hora, eles não sabiam, mas eu trabalharia de graça para aprender, então o salário de R$650 foi melhor do que o esperado.
Nunca vou me esquecer de chegar na primeira semana para trabalhar acabando de ter voltado de viagem com o pulso direito quebrado – eu sou destro. A primeira coisa que o Arturo me colocou pra fazer foi dobrar as caixas de papelão! Todas as coisas que eu tinha pra fazer eram braçais, imprimir camiseta, dobrar caixas, cortar plástico bolha, embalar os pedidos e levar aos correios. Fiquei algumas semanas fazendo isso do jeito menos produtivo possível até meu pulso melhorar. Eu morria de medo deles se arrependerem instantaneamente de ter me contratado! A gente ri muito disso até hoje quando lembra dessa história.
Deu tudo certo e eu finalmente tinha conseguido meu trabalho em uma startup. Apesar de ser uma posição mais operacional, para mim estava ótimo. Eu estava trabalhando em uma empresa onde só tinha eu e os sócios e havia nascido há cerca de um ano. Era o paraíso para quem queria aprender a empreender.
Até que esse paraíso se tornou um inferno na terra, mas isso é história para o próximo capítulo…