Essa é a história da minha vida e da minha trajetória empreendedora. Também é a história não contada sobre como criamos a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 6 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.
Finalmente a Touts nasceu, tínhamos um site no ar e tudo que precisávamos para começar a operar. Parecia estar tudo certo até descobrirmos que teríamos que nos mudar às pressas.
Depois de toda a saga com a Vandal, nós ocupávamos a mesma salinha de servidores emprestada no escritório da Elo no Centro do Rio.
O problema foi que a Elo decidiu se mudar para o vigésimo andar de um outro prédio ali perto, e nós não poderíamos ter nosso CNPJ cadastrado lá.
Existia algum tipo de restrição por conta do nosso CNAE que não nos deixava operar em um piso maior que o terceiro andar. Algo relacionado a atividade ser categorizada como industrial e precisarmos de uma licença específica, não me lembro muito bem.
O fato é que não haveria mais uma sala para ficarmos no novo escritório deles, então não tinha jeito. Estávamos por nossa conta.
A solução para o CNPJ foi simples. Cadastramos a Touts no endereço da casa dos pais do Arturo, na Vila da Penha, Zona Norte do Rio.
Agora para onde iríamos seria uma incógnita.
Procuramos muito e nos mais variados lugares. Desde pontos comerciais de rua, a escritórios no centro, casa na Tijuca, galpões em São Cristóvão e até uma garagem tentamos alugar. No fim tudo era extremamente apertado, ruim ou caro — sei que “caro” é relativo e a verdade é que nós éramos duros.
Nosso tempo se esgotou antes de garimparmos algo que fizesse sentido e a solução foi nos mudarmos para a Vila da Penha, onde a empresa já estava registrada de qualquer forma.
Lá tinha um espaço ao lado da churrasqueira que poderíamos nos instalar até resolvermos tudo.
A Tia Nuria, apelido carinhoso da mãe do Arturo, não sabia o tamanho da furada em que ela estava se metendo quando topou. Mas, como toda boa mãe, ela adorava a ideia de ver o Arturo com mais frequência e acho que isso foi motivação suficiente.
Para nós, seria um contratempo temporário, mas estávamos tão empolgados com a possibilidade de tocar nosso negócio do nosso jeito depois de tantos meses que qualquer perrengue parecia pequeno.
Levamos o maquinário e todo nosso estoque de camisetas, caixas, brindes, etiquetas, enfim, toda a operação para um espaço bem pequeno entre uma churrasqueira e uma escada. Fazia um calor desgraçado no Rio de Janeiro — obviamente não tinha ar-condicionado — e a gente trabalhava em cadeiras e mesas de bar improvisadas.
O perrengue era do nível de termos que cobrir os estoques com lonas feitas de sacos de lixo porque os gatos da rua entravam ali de madrugada e deixavam pegadas nas camisetas.
Curioso que lembro de sofrermos e trabalharmos bastante, mas não de nos pegarmos reclamando sobre essas condições. Na verdade, a gente ria que os clientes jamais poderiam imaginar que por trás de uma experiência de compra tão legal existiria um perrengue tão grande e sócios tão malucos.
Depois de algumas semanas estabelecidos ao lado da churrasqueira e sem sinal de que encontraríamos o imóvel que procurávamos, começamos a fazer as contas.
Percebemos que pelo preço de alugar um espaço por seis meses poderíamos construir algo que seria nosso.
A casa dos pais do Arturo tinha uma laje semi construída. Fazia parte de um projeto de segundo andar da casa que nunca foi terminado. Nosso plano era terminar essa obra e estabelecer a Touts oficialmente lá.
Dado que já estávamos nos acostumando com a operação na Vila da Penha, que facilitava muitas coisas como logística de fornecedores, encontrar pessoas para trabalhar na operação e aquele já ser o endereço oficial da empresa.
Fazia sentido e a conta fechava.
Para a Touts era a melhor opção, afinal de contas em poucos meses teríamos um espaço nosso que não precisaríamos pagar aluguel.
Para mim, era um grande contratempo. Se ir para o Fundão já era um perrengue, ir para a Vila da Penha era pior ainda. Nessa época eu morava na Zona Sul do Rio e eu precisava pegar um metrô e dois ônibus para chegar no escritório.
Para piorar, eu tinha começado a estudar na PUC à noite.
Essa foi uma grande lição e um exercício sobre colocar as prioridades da empresa na frente das prioridades pessoais — até hoje não acredito em fazer negócios de outra forma.
E assim foi feito, ainda em 2015 começamos nossa obra.
Termos tocado a Touts sem financiamento externo nos fez bem por vários motivos. O principal deles foi nossa capacidade de tirar leite de pedra. A gente sempre fez muito com muito pouco.
Os R$150.000,00 que recebemos da Vandal foram o único dinheiro que investimos no negócio. Pode até parecer bastante, mas para um negócio que envolve produção de produtos físicos não é muito. E lembre-se de que foi pago em parcelas, demorou quase 2 anos para recebermos tudo.
Ou seja, éramos muito chatos com os gastos e controlávamos as despesas na unha. Não porque somos especiais, bons operadores ou espertos, mas simplesmente porque não tinha outro jeito.
Esse acabou se tornando um dos nossos superpoderes ao longo dos anos e até hoje faz um pouco de parte do meu modus operandi em qualquer projeto.
Construir nosso próprio escritório foi um belo exemplo dos primeiros dias.
Mas umas das minhas histórias favoritas foi que aprendemos a consertar as impressoras de camisetas por conta própria pelo simples motivo da assistência técnica ser absurdamente cara.
Só existia um técnico no Brasil que prestava assistência da máquina que usávamos, e ele morava em Cuiabá. Só pra esse cara ir ver a máquina teríamos que pagar R$6.000,00.
O resultado?
Arturo virou algumas noites vendo tutoriais e consultando fóruns de internet a ponto de conseguir dar diagnóstico dos problemas por telefone. Nos anos seguintes compramos mais de 3 impressoras quebradas, desmontamos e substituímos peças para fazê-las voltarem à vida. Esse tipo de magia viabilizou nossa operação por muitos anos.
Outro bom exemplo dessa eficiência foi quando fizemos as fotos do site.
As fotos são uma das coisas mais importantes de qualquer e-commerce. Afinal de contas, se você parar pra pensar, quando se compra algum produto online você está essencialmente comprando uma foto ou vídeo do produto.
Recorremos aos nossos amigos da Relâmpago para tentar fazer um ensaio do jeito que queríamos sem os custos exorbitantes de uma produção cinematográfica.
Eles nos ajudaram a fazer as fotos do jeito mais barato possível: contratamos uma fotógrafa fora de série amiga deles, a Géssica Hage, que fez um preço super camarada por estarmos começando. Alugamos estúdio com melhor custo benefício possível pelo mínimo de tempo possível durante uma tarde e chamamos nossos amigos e namoradas para serem modelos e economizarmos no casting.
Assim, fizemos o ensaio mais barato possível e do jeito que planejamos.
Ou quase.
Minha amiga Larissa chamou outras duas amigas nossas da PUC, a Marina e a Julia, que foram as modelos femininas. E nossos amigos que seriam os modelos das peças masculinas furaram, então restou para Arturo e eu sermos os próprios modelos do site! O mais engraçado é que essas mesmas fotos ficaram no ar do primeiro ao último dia da Touts.
Mais um exemplo de fazer muito pouco foi a maneira como fizemos marketing. Não podíamos nos dar o luxo de gastar muito dinheiro com marketing e eu ficava mais encarregado dessa frente. A parte difícil era ser criativo em pensar como fazer a plataforma crescer.
Tínhamos aprendido na Vandal que o modelo de negócios era favorável ao crescimento, desde que a gente conseguisse fazer a roda girar.
Como nosso negócio era essencialmente um marketplace, essa roda se resumia em: mais artistas e sortimento atraiam mais visitantes e mais conversão; e mais visitantes aumentavam as vendas o que tornava a plataforma mais interessante para artistas.
A parte da equação mais fácil de resolver era conseguir mais artistas. Eu passava bastante parte do meu tempo tentando encontrar artistas em plataformas gringas que vendiam bem ou tinham artes interessantes. Depois de encontrá-los a missão era convencê-los de que fazia sentido vender conosco.
Como eles não tinham muito risco, não era uma venda muito difícil. E nós ainda diminuíamos ao máximo a fricção criando os usuários e fazendo os uploads e ajustes de todas as artes deles.
Nem todo mundo confiava na gente de cara, mas funcionava. Por conta desse esforço, nosso site tinha uma variedade incrível de estampas desde os primeiros dias.
Do outro lado do marketplace estavam os visitantes e as vendas.
Para isso, usamos um mix de sorte e sagacidade usando dois hacks.
Lá em 2015, o Instagram ainda estava começando a ficar popular no Brasil. A primeira sacada que tivemos foi que você poderia alcançar as pessoas ao segui-las na plataforma. Como ninguém tinha tantos seguidores, receber uma notificação de que uma marca estava te seguindo chamava atenção e as pessoas geralmente iam até nosso perfil ver sobre o que se tratava.
Como nossa marca era interessante e diferente, muita gente acabava nos seguindo de volta.
Até aí tudo bem, mas agora é que fica legal: o Facebook comprou o Instagram em 2012 e algum tempo depois lançou funcionalidades para conectar as plataformas. O que descobrimos foi que você poderia seguir todos seus amigos do Facebook no Instagram com um clique.
A princípio essa funcionalidade servia para “popular” seu feed do Instagram de conteúdo mais facilmente. Mas nós a usamos para crescer nosso Instagram muito rápido.
O que fizemos foi encher o saco de todos nossos amigos para que eles logassem com o Facebook deles em nosso celular para podermos seguir todos que eles conheciam com um clique.
Ao contrário do Instagram, o Facebook já era extremamente popular, e todo mundo tinha vários amigos por lá. Deu muito certo e a gente conseguiu bater o número de seguidores da Vandal em tempo recorde.
O segundo hack foi ainda mais certeiro em relação a vendas, o que foi importante já que likes e seguidores não pagam boletos.
Não existia essa cultura de influenciadores que conhecemos hoje. O termo usado para se referir a quem criava conteúdo na internet ainda era “blogueiro”. Apesar de não serem nem famosos ou ricos, eles já tinham relevância e começavam a influenciar o consumo com seus perfis na nova rede social que mais crescia.
O que eu comecei a fazer foi encontrar pessoas com mais de 10.000 seguidores no Instagram e enviar mensagens apresentando nossa marca.
Eu tinha um pitch por escrito pronto falando sobre como éramos legais, promovíamos o trabalho de artistas independentes e convidava as pessoas para conhecerem nossos produtos enviando um presente para elas.
A gente se garantia muito na experiência de compra, então era certo que se a pessoa gostasse da proposta ela iria amar os produtos.
Não deu outra, conseguimos crescer muito com um custo de aquisição de novos clientes ridiculamente baixo. O custo era basicamente o tempo de prospecção e o envio de um produto.
O retorno vinha com os posts de agradecimento que apresentavam a Touts e várias pessoas compravam para experimentar.
A cereja do bolo e mais uma demonstração de nossa engenhosidade era que nós usávamos essas fotos dos influenciadores para popular nosso feed. Na maioria das vezes as imagens eram incríveis e muito melhor do que as que nós faríamos.
E foi assim que eu toquei as redes sociais da marca por mais de um ano com um celular que não tirava fotos porque a câmera estava com defeito!
Eram outros tempos e as técnicas que usamos já não servem mais para fazer um negócio decolar da mesma maneira. Mas provavelmente existem alavancas como essa para quem está começando um negócio hoje, basta ser criativo.
No nosso caso, as restrições serviram como catalisador da nossa engenhosidade e criatividade.
Bom, depois de tanto ralar no primeiro ano da Touts, parece que conseguimos acertar uma coisa ou outra. Um indicador forte de que estávamos no caminho certo foi que chamamos a atenção da Reserva. Ficamos surpresos quando um dos sócios veio falar com a gente sobre uma possível aquisição. Mas isso é história para o próximo capítulo…