As iniciativas de produto que mudaram o jogo (15/18)
Como o Real Valor foi criado. Parte 15.
No último texto, falei sobre como o Real Valor finalmente começou a fazer dinheiro com o escritório de assessoria acoplado. Depois de 2 e meio penando para monetizar, o grande momento tinha chegado.
Foi até estranho passar um texto inteiro falando de coisas que deram certo sem uma grande reviravolta.
No fim, falei que essa maré de sorte chegaria ao fim em breve, mas decidi (no melhor estilo STARTUP) mudar de planos para o texto dessa semana.
Faz algumas semanas que eu não trago nada sobre o produto, só estratégia. Decidi trazer as iniciativas que foram mais game changer até esse momento no Real Valor (estamos no começo de 2020 na história).
Contextualizando, estamos no primeiro trimestre de 2020. O Real Valor tinha app iOS, Android e a versão web.
A gente vinha crescendo a base de usuários de forma orgânica e nossa retenção estava dentre os top 10% finance apps do mundo.
Como conseguimos isso? Vamos às iniciativas que mais deram certo.
Contato com a comunidade
O Sean Ellis fala no seu livro Hacking Growth que não existe uma bala de prata para growth. Ele é o resultado de um conjunto de iniciativas que vão trazendo melhorias incrementais. Quando você dá o zoom out, a soma dessas iniciativas se prova uma estratégia vencedora.
Eu listei as iniciativas que trouxeram mais resultados para o Real Valor, mas o contato com a comunidade permeou todas elas. Todas vieram de alguma forma, do contato com a comunidade de usuários
Os nossos primeiros usuários vieram de comunidades de investimentos do Facebook. Naquela época, eu postava nesses grupos falando que o que eu mais queria é que o pessoal usasse e descesse a lenha no produto para eu saber onde melhorar.
Desde então, a gente embarcou na jornada de criar o melhor aplicativo de investimentos do Brasil. E a gente percebeu que tinha uma comunidade disposta a nos ajudar nessa jornada.
Ouvir críticas de coração aberto e trabalhar nas melhorias resulta em feedbacks desse tipo.
Lives
Durante a pandemia, comecei a fazer lives todas as semanas falando do produto, do mercado etc. Em algumas lives, escolhi um usuário aleatório para entrar e trocar uma ideia comigo ao vivo. Era uma forma dele poder me cobrar ali de qualquer coisa que a gente poderia melhorar e isso ficar registrado.
Usuários dando feedback a todo momento nas lives.
Feedbacks
Eu recebia ideias de melhorias todos os dias. Eu li e respondi TODOS. Nem sempre na velocidade que gostaria, mas uma hora ou outra eu respondia. Algumas dessas ideias de usuários foram implementadas no produto.
Na hora de lançar, eu fazia questão de deixar claro na newsletter semanal que aquela não era uma ideia nossa, mas sim do usuário Fulano. Isso fomentava mais pessoas a mandarem ideias porque eles viam que aquilo era de verdade. Não era da boca para fora.
Conversa com usuários
Um dia estava voltando para casa de metrô no Rio de Janeiro e ouvi uma conversa de uns 4 caras sobre investimento. Eu sei que é feio, mas comecei a prestar atenção. Eles estavam falando de app para acompanhar investimentos. Eu tinha certeza de que eles iam falar do Real Valor e estava amarradão pensando “Porra! Sempre recebo emails, mas é a primeira vez que eu vejo uma conversa de aleatórios sobre o Real Valor”
No fim eles não falaram do Real valor. Eles eram usuários de um concorrente. Tive que intervir.
Pedi desculpas por estar ouvindo e por interromper, e mostrei para ele o Real Valor. Falei que era o fundador e que valia a pena eles testarem porque eu usava os dois e sabia que o Real Valor era melhor. Aproveitei e deixei o meu WhatsApp para os quatro, para caso algo desse errado. Queria que eles tivessem uma linha direta comigo.
Esses foram alguns exemplos, mas a todo momento o Real Valor era sobre a comunidade. Tanto é que até hoje você encontrar posts no Reddit falando com saudosismo do app. Não era só sobre a tecnologia. Era sobre a forma de lidar com a comunidade.
Real Valor foi descontinuado há mais de 2 anos e tem gente falando dele até hoje.
Mudança na tela inicial
A tela inicial do Real Valor era um gráfico que fazia muito sentido para consultores (eu e Gabriel éramos ex-consultores).
Era um gráfico de cascata que mostrava: Total investido Ganhos Custos/Impostos Patrimônio atual
Genial. A gente conseguia mostrar o que realmente importava em 4 barras.
Eu achava essa tela genial. Mas os usuários queriam ver outras informações.
Mas por mais que isso fosse bom do ponto de vista de um consultor, não era o suficiente para os usuários entrarem no app com frequência.
A cabeça humana é menos lógica do que imaginamos.
Depois de ler o livro Hooked, eu estava determinado a fazer o app ter mais engajamento e um dia vi um amigo usando o Real Valor e logo depois fechando para abrir o app da XP.
“Ei, pera aí… por que você tá abrindo o app da XP? O que que ele te mostra que a gente não mostra no Real Valor?”
“Ah... quero ver como estão variando as ações que eu tenho.”
Como a gente foi ingênuo.
Apesar de ser importante mostrar como a carteira como um todo estava performando, o lado menos lógico do cérebro humano queria outra coisa: recompensa variável.
O ser humano ama recompensa variável.
É por isso que Instagram e TikTok tem tanto engajamento: você nunca sabe qual o próximo story/vídeo que vai ver, então quer sempre ver.
O mesmo fenômeno é observado em slot machines, lootboxes (de jogo online), pacotinho de figurinha, e por aí vai.
O Real Valor não estava entregando isso.
As 4 etapas para criar um produto formador de hábito. Recompensa variável é imprescindível.
O usuário estava buscando essa recompensa variável em outro lugar: app da corretora.
Não importa se o cliente tem 1% do seu portfolio em ações e 99% em renda fixa. Ele quer saber se essas ações estão subindo 3% no dia ou caindo 3%.
Por mais que seja meio ilógico, visto que o patrimônio total vai variar muuuuito pouco. Nesse caso, uma variação de 3% nas ações faria o patrimônio variar 0,03%, também conhecido como porra nenhuma.
Maaaas é assim que o ser humano funciona. Essa pessoa é capaz de abrir as cotações das ações dele 5 vezes por dia, mesmo que uma variação grande não altere significativamente o seu patrimônio.
Decidimos mudar a tela inicial.
Agora ela não mostrava mais o gráfico de waterfall, mas sim um card com as variações de cada tipo de investimento do usuário. Como o objetivo era trabalhar esse lado emocional do usuário, a gente organizou os cards do ativo mais volátil para o menos volátil:
Cripto > Ações/ETFs/FIIs > Fundos > Renda Fixa
A tela inicial agora mostrava as variações diárias dos ativos do usuário
Essa pequena mudança foguetou o engajamento no Real Valor. As pessoas passaram a abrir o app mais vezes no dia e mais vezes na semana.
Onboarding focado no AHA moment
Se você é um entusiasta de produto, certamente conhece o termo NUX, ou New User Experience.
A ideia é criar uma experiência especial para os novos usuários com o objetivo de assegurar que ele realize as ações necessárias para ver o máximo de valor na plataforma (Aha moment).
O Facebook percebeu que quando alguém criava uma conta e não adicionava X pessoas em Y tempo, ela acabava desistindo de usar. Então a NUX do Facebook era focada em fazer novas contas adicionarem 7 amigos em 10 dias. Lembra daquele “Pessoas que você provavelmente conhece”? Aquilo foi criado para isso.
Onboarding do Facebook focado em fazer o novo usuário adicionar amigos
É por isso que o Ifood dava vouchers de descontos surreais quando você criou a conta. Você precisava fazer X (nao tenho a menor ideia de quanto é X nesse caso) compras para virar hábito.
Com o Real Valor era igual.
O usuário que entrasse na plataforma e não cadastrasse ao menos 4 investimentos nos três primeiros dias acabava nunca usando a plataforma.
Óbvio né?
Pra que você vai usar um app de consolidação de investimentos se não tem os seus investimentos lá?
A gente já tinha criado um mecanismo de importação automática para alguns tipos de investimento.
O esforço necessário para o usuário colocar os investimentos tinha sido dramaticamente reduzido, mas ainda era necessário realizar algumas ações manuais.
Para isso, a gente criou uma automação de marketing para AZUCRINAR o novo usuário até ele adicionar os investimentos (e ver o Aha moment).
Assim que o usuário criava a conta, ele recebia um email de boas-vindas que explicava como importar/adicionar os investimentos.
A tela inicial do app cumpria o mesmo propósito. Se ele abrisse o app e não adicionasse os investimentos, ele recebia um push poucas horas depois falando sobre a importância de importar os investimentos e com um guia rápido de como fazer.
Se depois de 24h da criação da conta esse usuário ainda não tivesse adicionado investimentos, a gente mandava outro push e outro email. Mais uma vez a gente explicava como funcionava e perguntava se tinha uma dúvida.
E essa rotina se seguia pelos primeiros dias.
Pode parecer bobagem ou chatice gratuita, mas depois que a gente implementou esse onboarding nossa retenção foguetou.
Análise de cohort depois de adicionar essa mudança. Retenção na primeira semana subiu 10%
Depois de implementar esse onboarding, a gente passou a ter retenção no nível dos top 10% de finance apps do mundo.
Especial de final de ano
No fim de 2018 eu vi as redes sociais serem inundadas pelo especial de final de ano do Spotify. Todo mundo queria mostrar aos outros como o seu gosto funciona, que é top 1% ouvintes da banda X, que ouviu um porrilhão de minutos de podcast no ano, que é eclético etc.
Enquanto todo mundo compartilhava isso, eu fiquei pensando: Como eu consigo fazer as pessoas compartilharem o Real Valor assim?
Ali se iniciava o projeto de fazer uma retrospectiva de final de ano do Real Valor.
A lógica por trás era: todo mundo gosta de falar da sua vida. O Spotify produtizou isso. Será que era possível produtizar isso num tema mais delicado como investimentos?
Passamos algumas semanas pensando e esboçando.
A gente tinha alguns desafios:
Só dava para mostrar highlights para o usuário. Ele jamais compartilharia informações negativas sobre seus investimentos
Não poderíamos mostrar o valor de nenhum investimento. Só percentual. Ninguém gosta de dizer quanto de dinheiro tem
Tinha que ser legal de compartilhar
Os stories ficaram bem parecidos com o Spotify e o resultado foi espetacular.
Retrospectiva de 2020 (não achei fotos da de 2019). A última foto é um story compartilhado
Todo mundo começou a compartilhar nas redes sociais. Como a gente colocou o logo do Real Valor em cada story, isso impulsionou downloads de forma nunca antes vista até então.
A partir de 2019, os finais de ano passaram a ser uma puta oportunidade para melhorar essa funcionalidade e conseguir novos usuários.
Impacto da retrospectiva de 2019 nos downloads do Real Valor
Especial de Covid
O engajamento de usuários do Real Valor era diretamente relacionado à performance do Ibovespa.
A explicação é simples: todo mundo gosta de ver os seus investimentos quando eles estão subindo e ninguém quer ver quando eles estão caindo.
Se você investe em criptomoeda, certamente já vivenciou esse fenômeno. Quando Bitcoin está caindo, você simplesmente “esquece” que tem aquele ativo. Mas quando ele volta a subir com força, você abre a cotação de BTC umas 3 vezes por dia.
Quando a pandemia chegou, o Ibovespa teve uma queda vertiginosa. O engajamento no Real Valor foi junto.
A queda do Ibovespa resultou na maior queda de DAU (Daily Active Users) da história do Real Valor
Isso rendeu até um post no blog na época, falando sobre o que a economia comportamental chama de aversão a perda: as pessoas tendem a ficar 2 vezes mais chateadas quando perdem um valor de, digamos R$10 do que elas ficam felizes de encontrar R$10 no chão por exemplo.
O problema disso é que o engajamento estava caindo e a gente precisava fazer alguma coisa para resolver isso.
Tive uma ideia e falei com o Gabriel.
Eu nunca tirei notas boas na minha vida. Meus pais ficavam putos que eu estava tirando 4 quando a média para passar de ano era 7.
A minha justificativa era “Mas olha a média da turma. Foi 5. Não tô tão longe”.
Se a gente conseguisse trazer essa sensação de “a nota foi baixa, mas foi boa em relação à média da turma” para os investidores e suas rentabilidades, isso poderia motivar um baita engajamento.
A gente criou uma dinâmica muito parecida com o especial de fim de ano do Spotify que a gente já tinha feito.
Ele ficou conhecido como especial de covid.
As seis telas do especial Covid.
O objetivo era mostrar perder dinheiro no mercado de renda variável não é o fim do mundo. Na verdade, é esperado que aconteça de tempos em tempos. O bom investidor não é aquele que não perde nunca, mas sim os que quando perdem, perdem pouco.
Dois meses depois do início, a bolsa voltou a subir e a gente desligou essa funcionalidade.
SEO e ASO
Só para estarmos na mesma página:
SEO significa search engine optimization, ou seja, otimizar o seu site para ficar nas primeiras posições do Google e ser achado quando pessoas procurarem por termos relacionados ao site.
ASO significa Apple Store Optimization, ou seja, otimizar o seu app para ele ficar nas primeiras posições das lojas de aplicativo e ser achado quando pessoas procurarem por termos relacionados ao que o app faz.
Se você já leu outros textos dessa história, sabe que dinheiro sempre foi um problema do Real Valor.
Como a gente não conseguia monetizar, tivemos que desenvolver estratégias de marketing de baixo custo.
ASO e SEO são duas delas.
Trabalhar ASO e SEO é um processo lento e tedioso, mas que dá resultado para quem tem paciência e disciplina.
A gente sempre fez tudo que dava para subir o ranking do nosso site e do app. Depois de um ano e meio, o resultado já era visível.
Real Valor em segundo para "Investimentos"
A gente estava sempre no top 3 para pesquisas de termos como “investimento”. Na frente de empresas BILIONÁRIAS. Dinheiro pode comprar anúncios, mas não ASO.
Esse ASO rendia muitos downloads orgânicos toda semana, mas isso não é o suficiente para estar nessa lista.
Só que aconteceu um evento inesperado que a gente conseguiu surfar por ter o melhor ASO dentre os concorrentes.
Quem viu esse evento de longe certamente achou que demos uma sorte danada. Eu penso de forma diferente. A gente se preparou 2 anos e meio para “dar sorte da noite para o dia”.
Um concorrente nosso que tinha MUUUUITO usuário decidiu deixar de ser gratuito e cobrar uma assinatura da ordem de R$25 (ou era R$50? não lembro) da noite para o dia.
Isso gerou uma revolta por parte dos usuários, que foram na loja buscar alguma alternativa àquilo.
Sabe qual app eles acharam?
Real Valor. Porque a gente tinha o melhor ASO.
Nós éramos o primeiro app na lista de “apps parecidos”.
Além disso, por ter criado um relacionamento fora de série com os nossos usuários, muitos eram promotores mesmo.
O pessoal começava a perguntar por alternativas em fóruns especializados e lá estavam os nossos evangelistas falando para baixarem Real Valor.
Essa foi um dos grandes booms de usuários que a gente teve.
Impacto desse evento no número de downloads
O melhor de tudo: isso aconteceu depois de a gente ter ajustado o nosso onboarding e ter ficado com uma retenção world class. Isso significa que a grande maioria dos usuários que vieram para o Real Valor nessa época acabou ficando a adorando a plataforma.
Próximo capítulo
Chega de falar de coisa que funcionou. Na semana que vem voltamos à programação normal de aparecer problemas absolutamente do nada e colocar o business todo em risco.
O que acontece no texto da próxima semana é simples. A XP compra um concorrente nosso.
Agora a gente tinha 3 concorrentes armados com bazucas:
Um tinha captado 35 milhões de reais.
O outro tinha o maior influenciador de investimentos do mundo como sócio.
O outro tinha a maior corretora independente do Brasil da época como controlador.
E agora? Como faz?
Detalhe: nosso escritório era afiliado à XP. Como fica isso agora que ela comprou um concorrente meu?
Chega de spoiler. Te vejo semana que vem.