Se você caiu nesse texto de paraquedas, vou contar um resumo do anterior para que você não precisa ler.
Na verdade, recomendo que não leia, porque o texto ficou meio pesado, porque é sobre problemas de saúde que eu tive que me fizeram pensar em desistir da minha startup.
Depois de eu passar 2 semanas sem ir trabalhar, chamei meu sócio para almoçar.
Eu estava enfrentando problemas grandes demais para suportar na vida pessoal. Meu objetivo era trazer isso para ele e pensar no que fazer.
Mas ele também estava na merda e trouxe que estava pensando em desistir do Real Valor.
Antes de desistir, concordamos em botar em prática 2 ideias que a gente já tinha na cabeça, mas nunca executamos.
Se elas não dessem certo, a gente abandonaria o projeto.
O engraçado é que falando isso agora, eu percebo uma semelhança com a gênesis do Real Valor, em 2017, quando eu e Gabriel combinamos que íamos tentar desenvolver o app mesmo sem saber desenvolver.
O combinado de 2017 foi: temos 1 mês para provar para nós mesmos que a gente consegue. Se não der, a gente contrata uma empresa pra fazer o app pra gente.
Dois anos depois, em 2019, a gente estava fazendo um combinado parecido: vamos testar essas duas ideias. Se não der certo rápido, a gente abandona.
Como chegamos nessas ideias
Ao longo do processo de aceleração do Startup Rio, a gente começou a repensar o Real Valor (programa de aceleração é bom por isso).
Eu e Gabriel com as startups do Startup Rio
Claramente a gente tinha feito um app foda. O pessoal amava a gente e a base de usuários continuava crescendo.
Mas também era óbvio que a gente não tinha ideia de como fazer dinheiro.
Aquele tempo na aceleração serviu para levantar hipóteses do que fazer:
White label: tinha parecido legal, mas a Empiricus não quis e a XP deu uma rasteira na gente. Se nem a Empiricus nem a XP te querem, não tem muito pra onde correr.
Cobrar assinatura: se mostrou uma ideia ruim. Apesar de um concorrente estar fazendo isso naquele momento e crescendo, dava muito trabalho para convencer as pessoas a assinarem e era contra a nossa filosofia de ajudar a democratizar o bom acompanhamento de investimentos.
Vender curso online: parecia fazer sentido, mas daria muito trabalho e não era bem o nosso objetivo com o Real Valor
Criar uma empresa de assessoria: apesar de criar a possibilidade de fazer mais e mais dinheiro quanto maior nossa base fosse, era algo que estava beeem fora do nosso alcance.
As duas primeiras ideias tinham sido invalidadas por testes. As duas últimas eram as únicas que tínhamos em mãos.
Eram elas que a gente iria testar.
Por que fazer o curso?
Nessa época, a gente tinha uma base invejável de usuários.
A gente tinha uma newsletter com uns 50k inscritos, um app com umas 10k pessoas usando por mês, um site com mais de 200k visitas mensais.
O pessoal amava nossos textos e nossas lives. E a gente tinha uma audiência boa.
O mundo do curso online estava começando a prosperar (o boom viria um ano mais tarde, na pandemia).
Parecia ser uma boa: a gente poderia ensinar milhões de brasileiros a investir e ainda usar essa base para aumentar o número de usuários do Real Valor.
Por que criar a empresa de assessoria?
Na parceria que a gente tinha com a Monte, tinham 2 coisas que me incomodavam:
A gente só levava uma pequena parte da receita
Eles eram contra automatizar tudo: eram a favor de um assessor ligando.
Criar um escritório de assessoria traria a oportunidade de ficar com toda a receita e ainda montar a máquina de vendas do jeito que a gente acreditava fazer sentido: sem ligação. 100% baseado em algoritmo.
Voltando à conversa no almoço
“Cara, vamos fazer o curso e o escritório.”
Agora a gente só precisava descobrir como fazia um e o outro.
No mesmo dia eu comprei uma webcam profissional para fazer as gravações e fui atrás de um amigo que trabalhava na XP para saber como fazia para ter um escritório.
As únicas lembranças do curso são a ementa que nunca saiu do papel
Em poucos dias desistimos do curso para focar em criar uma assessoria de investimentos.
Para isso, a gente precisava passar numa prova da Ancord, nos associar a uma corretora e começar a operar.
Como funciona um escritório de assessoria
Disclaimer: muita coisa mudou de 2019 para cá, então posso estar um pouco desatualizado. Isso aqui era como funcionava em 2019.
Um escritório de assessoria se associa a uma corretora e vende os produtos que aquela corretora tem em prateleira.
Ele funciona de modo a ajudar a corretora a captar mais investimentos e recebe um percentual da receita de cada investimento.
As pessoas que trabalham no escritório são assessores de investimentos que devem ser credenciados na CVM depois de passar numa prova.
Ficou confuso?
Eu sei que sim.
Vamos a uma analogia.
Pense que a corretora é o McDonald's. O escritório é uma franquia do Mac. O assessor é o chapeiro.
Só que no mundo de assessoria, todos os pagamentos são comissões em cima das vendas. É como se o chapeiro, a franquia e o McDonald's recebessem, cada um, um percentual em cima de cada venda de hamburguer.
A gente não tinha nem feito a prova ainda e estávamos querendo abrir uma franquia.
Detalhe: para abrir uma franquia, a gente ainda teria que convencer o “McDonald's” de que a gente era capaz de fazê-la dar certo.
Sacada Infomoney
Enquanto eu estudava para a prova da ANCORD eu tive uma ideia foi amadurecendo na minha cabeça.
A gente iria replicar o modelo Infomoney <> XP.
Para quem não sabe, a XP comprou a Infomoney lá atras, em 2011.
O modelo de negócios que eles emplacaram na Infomoney foi genial.
Todo o conteúdo da Infomoney era gratuito. Notícias, gráficos, artigos, colunas, etc.
Só que em todos esses conteúdos existia algum call to action para abrir conta na XP, na Rico ou na Clear. (As 3 corretoras eram da própria XP).
Exemplo de um desses links convidando a abrir conta nas corretoras do grupo.
Eles tinham percebido o que levou bastante tempo para a gente perceber no Real Valor:
Se o pessoal não está disposto a pagar pelo seu produto, mas gosta dele, entregue o produto de graça e use-o como plataforma para vender outra coisa.
Isso não era bem novidade. Silvio Santos fazia isso com o SBT e a Tele Sena. O SBT não dava dinheiro, mas funcionava como plataforma para vender a Tele Sena.
Essa sacada parece trivial, mas a EXAME não percebeu isso e faliu.
Exame era o principal portal de notícias de economia/investimentos do brasil. Em dado momento, em busca de fazer dinheiro, começou a colocar notícias atrás de paywall.
Sabe quando você vai ler alguma notícia e aparece um aviso falando que aquela notícia é só para assinante e que para assinar só custa R$ 5,00 por mês e mesmo assim você não assina?
A Exame começou a fazer isso para tentar fazer dinheiro.
Mas “notícia” é igual “consolidação de investimentos”: o pessoal quer, mas quer de graça.
Enquanto a Exame escondia os principais conteúdos atrás cortinas, com o objetivo de fazer 5-15 reais por mês com cada leitor, a Infomoney estava disponibilizando seu conteúdo de graça e tentando converter o leitor em cliente de uma das corretoras.
Essa estratégia da Infomoney era melhor por 2 motivos:
A Infomoney acabou virando o maior portal de notícias do Brasil por ser 100% gratuito
Eles estavam fazendo mais dinheiro com a comissão por conta aberta na XP do que fariam se cobrassem assinatura.
Um leitor que tivesse 1 milhão de reais de patrimônio pagaria o valor da assinatura da Exame para ler as notícias. Digamos que fosse R$ 15.
Esse mesmo leitor, caso abrisse uma conta na XP e levasse esse dinheiro para lá, deixaria algo na ordem de R$ 10k reais no ano, ou 833 por mês.
A Infomoney estava extraindo muito mais receita, com um modelo melhor.
O Real Valor atuaria como uma Infomoney: uma plataforma para segmentar os usuários e vender os serviços do escritório para quem fizesse sentido.
Passamos. E a agora?
Fizemos a prova da Ancord e passamos.
Para o Gabriel foi fácil: ele sempre foi aluno nota 10.
Para mim foi quase um milagre. Apesar de naquele momento eu saber a fundo sobre o mercado financeiro, eu sou péssimo fazendo provas. O meu déficit de atenção ataca e é comum eu responder coisas diferentes do que o enunciado pede.
A nota de corte era 70 e eu passei sem muita folga.
Mas é aquela coisa né?
Ganhar a corrida por 1 milésimo ou por 10 segundos dá no mesmo. E eu tinha ganho a corrida.
Mas a prova era a parte fácil. Agora começava a difícil:
Convencer corretoras de que a gente teria capacidade para ter um bom escritório.
Eu só tinha networking para chegar a 2 corretoras:
XP, porque tinha alguns amigos que trabalhavam lá
Órama, porque um amigo conhecia pessoas lá.
A XP era a maior corretora independente e, apesar de ter tido aquele episódio lá atras de ter tomado uma rasteira numa reunião com eles, era nosso plano A.
Mas eu tinha um afeto especial com a Órama: Nos primórdios do Real Valor, a gente ficava na biblioteca da Puc e quando saia para almoçar, sempre via gente com crachá da Órama.
Eles também estavam na infância e também tinham escritório ali na gávea.
Pode parecer bobagem, mas rolava uma conexão.
Conversas com a Órama
Desde as primeiras conversas com a Órama, o santo bateu.
A gente apresentou o que a gente estava fazendo no Real Valor e como acreditava que ia conseguir fazer um escritório 100% automatizado para os nossos usuários.
Nessa época, a gente já contava com 2 bilhões de reais sendo monitorados pelo app.
Órama estava empenhada em fazer o negócio das certo.
Eles não tinham o nome que a XP tinha, então a gente conseguiu negociar uma condição muito boa:
A gente receberia mais comissão se batêssemos metas de captação.
Nossa comissão começaria em 50% da receita e chegaria a 90% se alcançássemos uma meta de AUC (Assets under Custody, ou simplesmente custódia).
1 Bi de custódia na época configurava um grande escritório.
Não ia ser trivial chegar até esse valor, mas a gente confiava no nosso taco. E se a gente chegasse lá, a gente ia fazer uma grana preta.
Lembra que a gente sempre teve dificuldade de fazer dinheiro? Agora a gente estava falando finalmente de fazer dinheiro.
Para ter uma ideia, se a gente captasse 100 milhões de reais (algo que parecia trivial), a gente estaria fazendo uns 80 mil por mês.
A gente finalmente ia fazer dinheiro.
Eu estava empolgado com a Órama.
Conversas com a XP
Num primeiro contato que eu tive com a XP, os caras fizeram de tudo para que a gente desistisse da ideia. Colocaram barreiras em tudo que é canto.
“Precisa ter 4 sócios”, “Precisa depositar 1 milhão de reais para começar, etc etc.
O Gabriel foi conversar pessoalmente com uma dessas pessoas responsáveis por novos escritórios da XP.
Ele fala que esse cara estava meio incrédulo:
“Porra cara, eu sei que vocês passaram na prova. Mas vocês nunca fizeram isso antes. Vocês não têm uma carteira de clientes. Não dá.”
Maaaaaaaaas
O Gabriel tinha uma carta na manga.
“Olha cara, você esta certo. Não temos nada disso. Mas temos uma base de mais de 2 bilhões de reais que a gente sabe os mínimos detalhes de cada ativo e investidor. Além disso, a gente está fazendo um algoritmo para mostrar oportunidades para essas pessoas. A gente acredita que consegue sair de 0 a 100 milhões em 3 meses. Algum escritório tem isso?”
A partir desse momento, todas as barreiras para se criar um escritório na XP foram demolidas.
Agora era a XP que fazia de tudo para a gente ir para lá. Mesmo que “nunca antes, na história desse país”, a XP tivesse aprovado um escritório com sócios sem experiência e sem carteira.
Obrigado pela hospitalidade, mas optamos pela Órama
A XP oferecia uma plataforma mais completa e o nome. Era consenso que seria mais fácil fazer um usuário abrir conta na XP do que na Órama.
Por outro lado, a Órama parecia ser muito mais disposta abraçar o projeto e trabalhar junto.
Sabe aquela história de que o Michael Jordan não foi pra adidas nem para converse e sim para a Nike, que era uma empresa pequena e os dois cresceram juntos?
Porra… ir para a Órama era tipo isso. A gente trabalharia juntos e cresceríamos juntos.
E a XP tinha dado aquela rasteira ne?
Optamos por ir com a Órama.
Conversa aleatória que achei no Google Photos que mostra a inclinação pela Orama
Liguei para a pessoa que estava cuidando do nosso processo na XP e expliquei:
“Cara, queria agradecer. Você foi muito legal com a gente, entoa não queria tomar a decisão e te deixar no escuro. Vamos fechar com a Órama. Acho que é o melhor para o projeto”.
Aí entrou em campo a malandragem e experiência que a XP tinha.
“Cara, eu to entendendo que você prefere jogar campeonato carioca ao invés de Champions League. Mas vamos fazer o seguinte: me dá os dados do seu RG que eu to comprando uma passagem para vocês dois virem aqui conhecerem a XP de perto… aí você toma a decisão que você quiser”
Aceitamos o convite e fomos lá.
Fizemos um tour pelo prédio. Ele fez questão de mostrar como a XP estava investindo em tecnologia (acho que com o intuito de convencer a gente).
Escritório da XP tinha área "piscina de bolinhas" para mostrar que eram tech.
No fim, fez uma proposta que não tinham aquelas comissões que cresciam com o tempo, mas tinha algo mais imediato.
Se a gente batesse metas de captação, receberíamos cheques gordos por isso.
Não lembro exatamente os números de captação, mas lembro dos cheques.
Os dois primeiros eram de 200k. Depois subia para 300k e por fim chegava em 500k.
Pelos nossos cálculos, a gente iria receber um cheque desses a cada 2-3 meses.
Além disso, dariam um bônus por fechar com eles de 200k.
A XP nos “comprou” com essa oferta.
Apesar de estarmos decididos de ir para a Órama, acabamos fechando com a XP.
A gente criaria um escritório XP: o RV Investimentos (Real Valor Investimentos)
Primeiros dias na XP
A gente passou por um baita treinamento na sede da XP, ensinando como ser assessor e tal. Outros escritórios que estavam nascendo naquele momento também participavam.
Cronograma do treinamento que fizemos
O interessante é que todos eles eram compostos por pessoas com experiência no mercado e com uma carteira de clientes.
Eram ex-gerentes de bancos que estavam indo para a XP e levariam consigo muitos clientes ou assessores de escritórios da própria XP que decidiram fundar o seu próprio.
E tinha a gente lá. Sem experiência, sem carteira, mas com o sonho de automatizar a PORRA TODA e revolucionar esse negócio através do Real Valor.
Todos ali queriam o que a gente tinha: uma base de mais de 2 bilhões de reais para captar.
O fim da linha para os coworkings
Por regulação, o escritório e o Real Valor tinham que ser duas empresas diferentes. E por regulação, pessoas que não fossem do escritório de assessoria não poderiam trafegar por áreas do escritório, porque lá tem dados de clientes e isso é sigiloso.
Por causa disso, tivemos que ir embora do coworking que a gente curtia tanto e fomos atrás de um escritório para o Real Valor e um para a empresa de assessoria que se chamaria RV Investimentos (Real Valor Investimentos).
Encontramos 2 salas num prédio na praia do Flamengo e a gente agora teria um escritório para chamar de próprio.
As luvas pagas pela XP ajudaram a gente a ter nosso primeiro escritório
Agora era só colocar o plano em prática e finalmente fazer dinheiro a dar com pau.
Próximo capítulo
Se você está lendo esses textos há algum tempo, sabe que sempre dá algum problema.
E agora não seria diferente. O próximo texto traz a história de como fomos DENUNCIADOS por escritórios rivais por estarmos crescendo muito rápido e como isso limitou a gente em todos os sentidos.
Obrigado por ler até aqui e até a quarta que vem.
PS: A Exame literalmente faliu e foi comprada pelo BTG que passou a adotar uma estratégia muito parecida com a XP <> Infomoney.