Hoje eu paro de falar do lado pessoal e volto a falar da parte profissional da coisa.
O fim de 2017 se aproximava e a gente precisava começar a fazer dinheiro com a empresa.
Era hora de colocar o plano premium do aplicativo no ar.
Só relembrando a situação:
Tinha uma fila de espera de “pré-venda” do premium no app e muita gente já estava inscrita.
A gente tinha contratado o Ferolla como freelancer para conseguir colocar a funcionalidade de pagamento no app.
O plano premium traria algumas funcionalidades que os usuários vinham pedindo há algum tempo como:
Dividendos e JCP
Registro de venda de ativos (antes disso, o usuário tinha que deletar o investimento, em vez de registrar uma venda)
Variação diária de cada ativo
Como a gente viria a vender o premium pelo aplicativo.
Além disso, a gente estava limitando o número de investimentos que o usuário free poderia ter cadastrados. Antes, ele poderia ter quanto quisesse. A partir de agora, a gente limitaria em 10 ativos.
Tem mais do que 10 e quer acompanhar? Pague a assinatura.
Tela que o usuário via ao tentar adicionar o décimo primeiro ativo.
A ideia era adicionar outras funcionalidades depois.
Tudo parecia fazer sentido.
O objetivo não era fazer toneladas de dinheiro de imediato. O principal objetivo era começar a entender o LTV de nossos clientes.
LTV = Life Time Value. Ele pode ser calculado multiplicado a mensalidade pelo número de meses que o cliente permanece na nossa plataforma.
Sabendo o LTV, é possível começar a destinar uma verba para o marketing.
A ideia é que se uma empresa gasta menos do que 6 vezes o LTV para adquirir um usuário, ela tem uma PUTA máquina de crescimento em mãos.
Para cada 1 real que ela gasta em marketing, ela recebe 6 em receita.
Como a gente nunca teve receita antes, nosso investimento em marketing era basicamente zero.
Até aquele ponto, a gente só fazia 3 coisas de marketing:
Maximizar o nosso ASO (app store optimization). Que é o quão relevante você é na loja de aplicativo. Isso era importante para ficar nas primeiras posições em pesquisas na Play Store.
Sempre anunciar as novidades nos grupos do Facebook e responder TODOS os comentários. Isso fazia mais gente conhecer e baixar o app.
Responder todo e qualquer feedback de e-mail e na loja de aplicativo.
O ponto 2 e 3 nem eram vistos como marketing na época. Hoje vejo que são estratégias de marketing de tribo (community led growth). O ponto 3 era importante porque ao entregar uma experiência foda de aplicativo, suporte, e etc.
Eu tinha chance de criar um promotor da minha marca que traria amigos para usarem.
Nubank vinha fazendo uma estratégia parecida e tinha vários promotores na época. Eu era um deles, inclusive.
O Lançamento
Nessa época, eu não poderia nem imaginar com conceitos como fórmula de lançamento ainda. O lançamento foi discreto. Avisamos por email que lançaríamos o premium dali a alguns dias e como seria a dinâmica.
E no dia certo, mandamos mais um email falando que a partir dali os usuários free só poderiam ter 10 ativos cadastrados e os assinantes teriam acesso às novas funcionalidades.
Print do e-mail sendo redigido.
Lembro de ir até o nosso acelerador (que nos infernizava para conseguir monetizar) e mostrar que a gente tinha feito a nossa primeira venda.
A resposta dele?
"Uma venda não significa nada. Volte quando tiver 100."
Lembra que ele era um personagem? Que ele fazia isso para criar casca? Hoje eu vejo isso, mas no dia que isso aconteceu eu fiquei MALUCO DE RAIVA.
O tempo mostrou que ele estava certo.
Uma venda não diz nada.
Uma startup só se torna relevante quando ela consegue vender consistentemente.
Resultados do lançamento
Poucas pessoas assinaram.
Mas isso não era problemático. A gente não esperava um sucesso imediato.
Eu sabia que teria um longo processo pela frente de ir aprimorando técnicas de venda e o produto.
A diferença é que a partir desse momento, o aprimoramento do produto não seria mais para as funcionalidades gratuitas, mas sim as pagas.
O plano free estava pronto. Agora era hora de ir aprimorando as funcionalidades do assinante.
É tipo o que o Spotify faz. Ele não melhora a experiência do usuário gratuito porque é importante que ele tenha incentivos para virar um assinante.
Mas em poucas semanas de lançamento identificamos um problema.
O problema não era que poucas pessoas estavam assinando.
O problema é que a nota na loja estava caindo vertiginosamente.
Os usuários que antes amavam o produto começaram a criticar porque a experiência que eles estavam acostumados tinha piorado.
Mensagens como essas passaram a ser resenhas com nota 1 na loja, ao invés de emails
Não importa o quão barato um produto é. No momento que o cliente paga por ele, ele se torna muito mais crítico.
Alguns bugs que eram ignorados enquanto o Real Valor era de graça começaram a ser big deals.
Lembra que eu falei que um dos nossos poucos esforços de marketing era ASO?
Para ter um ASO bom, é necessário fazer algumas coisas do tipo:
Ter um bom nome de aplicativo
Ter fotos cativantes
Ter uma descrição boa
Responder as resenhas
Ter uma nota boa
O algoritmo da loja serve para divulgar os melhores apps para os usuários.
De nada adianta fazer todos os passos para um bom ASO e ter a nota ruim.
A nossa nota sempre variou de 4 a 4,5. Agora ela estava abaixo de 4 pela primeira vez.
Isso estava começando a nos prejudicar.
A gente estava colocando uns 10 assinantes para dentro a cada semana, mas o número de downloads semanais estava caindo.
O motivo? O ASO estava piorando.
Com isso, a gente não estava mais aparecendo na primeira página quando o usuário procurava por algo de acompanhamento de investimentos.
Ace Start: o fim estava próximo
A aceleração da ACE consistia em 2 etapas: Ace Start e Ace Growth.
O Ace Start funcionava para filtrar o que eles julgavam as melhores startups. A Ace não investia nenhum dinheiro nesse momento. Ela fornecia uma metodologia para a startup chegar próximo do Product Market Fit.
O Ace Growth servia para a Ace investir 150k nas melhores e direcioná-las para o crescimento.
A gente estava chegando no final do Ace Start e sonhando com o investimento.
Mas a coisa estava meio estranha.
O nosso crescimento de base de usuários não chamava muito a atenção da Ace, mesmo sem investir em marketing.
Isso era lá para jan/2018. A gente estava com uns 4 mil usuários ativos mensalmente.
Eles queriam saber a nossa capacidade de converter esses usuários em clientes pagantes.
E a gente estava indo mal nessa jornada.
Além de estar fazendo pouco dinheiro, nosso crescimento tinha diminuído.
Fizemos uma pesquisa de NPS e averiguamos que o óbvio: estava dando merda.
Nosso NPS deu negativo.
Você já viu um NPS negativo antes?
Tenho certeza que não.
O nosso foi da ordem de -50.
Para ter uma ideia do que é um NPS -50, é ter 10 notas 10, 10 notas 8 e 40 notas 6.
Tá certo que os NPS que você vê por aí também não são muito parâmetro. Quando se usa NPS como marketing, ele provavelmente está sendo fraudado.
Apple é 72, Netflix no auge era 68. Mas tem empresa ai que bate no peito e fala que o NPS é de 90.
Um NPS muito alto geralmente acontece quando você não está perguntando para toda a base, ou está enviesando os entrevistados, explicando a metodologia.
Mas nosso objetivo com o NPS não era mostrar para os outros. Era saber o quanto a gente precisava melhorar no produto, suporte e onboarding.
E para isso, precisávamos da realidade nua e crua.
Olha o timeline:
A gente era um app amado. Lançamos a versão premium. E agora nosso NPS era -50.
E o pior de tudo: isso estava acontecendo semanas antes da Ace decidir em quais startups eles colocariam os R$ 150k.
O que fazer?
Dinheiro e confiança
Eu e Gabriel tínhamos combinado de gastar todo o nosso patrimônio pessoal na esperança de fazer o Real Valor dar certo.
Mas agora a gente tinha chegado numa encruzilhada.
Foto de outra época, mas que simboliza a nossa encruzilhada
Se a gente recebesse o investimento da aceleradora, além de ter mais runway para achar o product Market fit, a gente teria a chancela da maior aceleradora da América Latina.
Mas se a gente recebesse uma resposta negativa, significava que profissionais do ramo não viam tanto futuro no que a gente estava fazendo.
Se esse fosse o caso, será que faria sentido continuar gastando nosso dinheiro naquilo?
Por mais que a gente tivesse feito esse commitment lá atras, nesse momento a gente começava a ter esse tipo de dúvida.
Apesar de mais e mais gente baixar o app a cada dia, a gente se pegou numa dúvida cruel: faz sentido continuar com a empresa caso a gente não receba o investimento?
Isso era um pensamento para dali a algumas semanas, mas a gente já estava pensando em saídas.
Mas vamos voltar ao que estava acontecendo com a empresa.
Qual rumo tomar com o Real Valor?
Aquele negócio de cobrar uma mensalidade pelo premium estava parecendo ser um erro.
A gente se sentia desconfortável vendo o produto free ficar ruim e pouca gente assinar.
É como se a gente estivesse com o ônus sem o bônus.
Mas o que fazer?
Insistir mais, fazendo ajustes estratégicos?
Voltar atras? Como? E a monetização?
A gente estava numa sinuca de bico do cacete.
Não sei se você leu no texto passado, mas nessa época, eu morava com meu sócio e a gente vivia o Real Valor 24 horas por dia.
Período tenso da porra. A gente ficava pensando no que fazer 100% do dia.
Aquele negócio de cobrar pelo premium não era para a gente. A gente não sabia vender e estava destruindo o que a gente tinha de mais importante: o amor dos usuários pela marca.
Naquela época, a gente teve um dos insights mais importantes da empresa: apesar de todos quererem acompanhamento de investimentos, poucos estavam dispostos a pagar por isso.
Percebemos que isso era um problema vivido pelos portais de notícias.
Todo mundo gosta de ler notícias. Mas fecha a janela assim que aparece um paywall de R$ 0,99 por mês (ou arranja um jeito de burlar).
Paywall de 1,90. Você paga? Eu não.
Por que ninguém paga nem 0,99 por mês para ler notícias?
Pelo mesmo motivo pelo qual ninguém paga para acompanhar os investimentos.
Eles querem aquilo, mas simplesmente não estão dispostos a pagar. Talvez por sempre existirem outras alternativas, talvez por ter sido acostumado a consumir aquilo de graça.
Não sei o porquê. Mas sei que é assim.
Continuar tentando cobrar não iria dar resultado.
Não fazia sentido lutar contra o mercado. O jeito era deixar o produto gratuito e arranjar outra forma de fazer dinheiro.
Decidimos criar um plano diferente para monetizar.
Nessa época, a gente tinha uns 400 milhões de reais sendo monitorados pela plataforma.
Se a gente conseguisse identificar investimentos ruins para os clientes e direcioná-los para investimentos melhores, a gente poderia ganhar um % nessa transação.
O único problema é que a gente não sabia exatamente como fazer isso.
A gente decidiu que precisava extinguir o premium e achar outra forma de fazer dinheiro, mas não tinha ideia de qual.
Mais um dia de trabalho tentando descobrir como fazer o app ser lucrativo.
E pior: tinha que pensar numa forma de fazer isso enquanto mostrava para a ACE que valia a pena investir na gente.
Apresentando a ideia para a Ace
Aos 45 minutos do segundo tempo, a gente foi até a ACE e mostrou o plano do que a gente iria fazer:
Conseguir parcerias com players de investimento para distribuir seus produtos em troca de um fee.
O fato desse movimento já estar acontecendo nos EUA ajudou a embasar o racional.
Mas nossa ideia era ousada.
A gente era a única startup B2C da ACE e a única que tinha um faturamento menor que 1k BRL mensal (também conhecido como não ter faturamento).
O caminho para receber o investimento já estava parecendo difícil.
Então a gente decide mudar a estratégia da empresa faltando semanas para a decisão.
Mas a verdade é que a gente tinha percebido que a gente tinha errado ao criar o premium e a gente queria consertar aquilo.
Além do premium ter dado pouco retorno e jogado nossa nota na lama, ele era contra a nossa missão inicial de democratizar o acompanhamento de investimentos.
Ao cobrar, a gente estava tirando a melhor plataforma de acompanhamento de investimentos da mão do pequeno investidor, que era justamente quem a gente queria ajudar.
Mês passado eu li uma frase do Jason Fried que explica bem o que a gente estava vivendo:
“Long-term planning is what you thought. Short-term planning is what you think.”
De que adianta manter um plano antigo que já mostrou dar errado? Mais vale readequar a rota de acordo com as informações que estamos recebendo.
Apreensão nos últimos dias
O dia D estava chegando. Ele seria o dia em que a Ace anunciaria se investiria ou não.
Algumas startups amigas estavam tranquilas porque certamente receberiam o investimento.
Outras estavam na mesma tensão que a gente porque não sabiam se receberiam.
O dia chegou e vimos startups receberem o contrato e outras não receberem.
Inclusive tinha empresa ali que caso não recebesse a grana, fecharia e assim o fizeram.
E a gente?
Simplesmente não recebemos a resposta.
Falaram que estavam negociando com investidores que queriam entrar na gente, mas não tinham certeza.
Naquele dia, todas as startups receberam a resposta menos a gente.
A gente ainda passaria umas 3 semanas nessa agonia do caralho.
A Ace falava que tinha um cotista que não estava convencido de que valia a pena o investimento.
Parecia que a gente tinha mostrado valor no que a gente estava fazendo, mas ainda envolvia muito risco de investir.
Até que um dia a notícia veio: a gente seria investido.
Puta notícia!
A gente tinha feito até promessa. Tivemos que raspar o cabelo.
Promessa é dívida.
Maaaas a vida de startup é que nem uma partida de basquete. Depois de fazer uma cesta, você pode até comemorar, mas tem que comemorar voltando para marcar.
A gente tinha conseguido o que queríamos: o investimento.
Mas investimento não é sucesso. Sucesso é fazer uma startup lucrativa.
Investimento é apenas uma forma de tentar aumentar a chance de chegar ao sucesso, às custas de um percentual da empresa.
Agora a gente tinha dinheiro, mas tinha que começar a fazer dinheiro.
Próximo capítulo
O próximo capítulo dessa história dá uma acelerada.
A gente contrata nosso primeiro funcionário, inicia uma estratégia de marketing e começamos a conversar com parceiros.
O Real Valor começa a tomar forma de empresa. Mas o fantasma da monetização não quer deixar a gente em paz.
Obrigado por ler até aqui e até semana que vem.