Para quem não leu nenhum dos meus textos anteriores, eu tinha criado uma startup, estava com 1k downloads e fui aceito num programa de aceleração de startups em São Paulo.
Para quem leu meu último texto, falei que os dois principais objetivos que eu tinha no momento em que fui aceito na aceleração em São Paulo eram:
Trabalhar o máximo para conseguir extrair o melhor que a aceleração poderia entregar
Gastar o mínimo de dinheiro possível para estender runway da empresa.
Passei o último texto falando sobre o primeiro item. O texto de hoje é para falar um pouco sobre o segundo.
Tomei a liberdade de falar menos sobre a empresa e um pouco mais sobre os desafios pessoais que vivi nesse momento.
Contextualizando
Eu sou do Rio, mas tinha morado de 2015 até o fim de 2016 em São Paulo, quando trabalhei numa empresa de consultoria.
Minha volta ao Rio, no fim de 2016 foi justamente para criar o Real Valor.
Não vou mentir. Eu tinha ODIADO São Paulo.
Não sei se foi o fato de quase não passar finais de semana lá (sempre ia para o Rio) que me fez não criar raízes na cidade ou se essa fuga era justamente porque eu não gostava da cidade.
Bem… pouco importa. O que importa é que eu preferia o Rio.
Ao voltar, coloquei na minha cabeça que não voltaria a morar em São Paulo nem a pau.
Oito meses depois, lá estava eu arrumando minhas malas e partindo para a capital paulista.
Com uma diferença grande em relação à quando tinha morado antes:
Agora eu não recebia salário.
Se eu não tinha gostado em 2015, imagine agora.
No início do Real Valor, fiz um acordo com meu sócio: vamos empenhar até 100% do nosso dinheiro na empresa para fazê-la dar certo.
Agora a gente estava indo para São Paulo e nossos custos seriam bancados por nós mesmos.
Aquele dinheiro que estava destinado principalmente para a empresa, iria começar a ser erodido com gastos menos nobres, como aluguel, comida, transporte, etc.
Pequena pausa para falar da a importância da educação financeira
Eu só tive a oportunidade de largar meu emprego para empreender aos 23 anos porque eu era pão-duro para caceta e investia TUDO que eu guardava.
Tive sorte de pegar renda fixas pagando 18% ao ano lá para 2015, de pegar uma escalada da bolsa brasileira de 2016 a 2017.
Consegui acumular cerca de 100k enquanto amigos que ganhavam muito mais não acumularam nada.
Quando decidi empreender, coloquei 90% do meu dinheiro em renda fixa.
Naquele momento, previsibilidade do dinheiro era mais importante do que um potencial retorno maior.
Eu não podia correr o risco de ver aquele dinheiro encolher na busca de retornos maiores, porque isso poderia botar o futuro da empresa em risco.
Perceba a importância da educação financeira:
Ela me permitiu acumular dinheiro para conseguir ir em busca do meu sonho
Ela permitiu que eu pudesse insistir no sonho por mais tempo, porque o dinheiro continuava rendendo.
Em cinza, o valor investido. Em amarelo, o patrimônio. Perceba que apesar de fazer saques de tempos em tempos, o patrimônio descia, mas tendia a subir por causa dos investimentos. Caso eu não investisse, meu patrimônio seria a linha cinza.
Se você está postergando o momento de começar a investir ou estudar sobre educação financeiro, gostaria de deixar o incentivo para começar o quanto antes.
Voltando para a história: estava indo para São Paulo e precisava gastar o mínimo possível para viver.
Minha primeira casa em SP
Francis Bacon dizia “Não há solidão mais triste do que a do homem sem amizades. A falta de amigos faz com que o mundo pareça um deserto”.
Como é bom ter amigos de verdade.
Lopes é um grande amigo que estava morando em São Paulo desde 2015.
Inclusive, quando fui fazer o processo seletivo para a empresa de consultoria, fiquei hospedado em sua casa.
Abri o jogo com ele.
“Cara, passei numa aceleração em São Paulo e preciso ir para aí. Posso ficar na sua casa até achar um lugar para morar?”
“Óbvio porra. Fica até quando você quiser. Minha casa é sua casa.”
Um detalhe: Lopes morava num quarto e sala nessa época. Ele estava me oferecendo o sofá da sala para “morar”.
Não sei se ficou claro, mas era um quarto e sala. Eu ficava na sala e ele no quarto. Eu ocupava mais a casa dele do que ele mesmo.
As primeiras semanas de Real Valor em São Paulo foram assim para mim.
Morando de favor.
Mas o tempo foi passando e eu não achava um lugar para morar que fosse barato.
Acho que quando o Lopes falou “fica até quando você quiser”, ele não imaginava que eu fosse ficar quase dois meses.
Nessa época a minha vida era
Ir para a Ace de ônibus
Trabalhar o dia inteiro
Gastar o mínimo para comer
Voltar para casa de ônibus
Ficar trocando ideia sobre mercado financeiro, o real valor, a XP até pegar no sono.
O almoço era pelas redondezas da Ace, na região da paulista, num restaurante que ficou carinhosamente conhecido como “dozão” porque o prato feito custava 12 reais.
Eu e outros empreendedores amigos, no famoso Dozão.
Nos finais de semana, eu sempre voltava para o Rio. Era uma forma de eu me sentir menos mal por estar atrapalhando a vida do amigo.
Comprava passagens aéreas com antecedência para pagar menos. Na época não existia Buser e passagem aérea com antecedência saia mais barato do que ônibus.
Na sétima semana em que eu estava na casa do Lopes, um amigo da consultoria veio falar comigo.
Ele estava indo para um projeto no exterior e eu poderia ir morar na casa onde ele estava morando, no lugar dele.
Era uma república com 3 pessoas. A república ficava a 1 quilômetro da Ace, no paraíso (nome do bairro) e iria custar uns 1200 por mês.
Apesar do custo de morar com o Lopes ser próximo de zero e ele ter falado que eu poderia ficar quanto tempo quisesse, já tinha passado a hora de parar de incomodá-lo.
Era chegada a hora de ir para a república.
Morando na Doutor Danúbio
A república que eu fui morar tinha um nome: Doutor Danúbio. Não entremos no porquê do nome. Só saiba que Doutor Danúbio é o nome do apartamento.
Fui morar com duas pessoas que não conhecia: Floripa e Camila.
Em pouco tempo me aproximei do Floripa e somos grandes amigos até hoje. Ele, inclusive, já cobrou para saber quando ele apareceria na história.
Morei pouco tempo com a Camila, porque ela também foi chamada para um projeto no exterior.
Recomendei que o Gabriel entrasse na vaga da Camila.
As pessoas que estavam em projeto no exterior ainda eram os “titulares” da Dr. Danúbio e eram os que mandavam ali.
O Gabriel estava numa jornada parecida com a minha: morando de favor na casa de amigos e parentes.
Em pouco tempo de conversa, eles concordaram em receber o Gabriel na Danúbio.
As coisas estavam começando a ficar boas. Agora eu estava morando perto do trabalho com meu sócio e um cara gente boa para caralho enquanto gastava pouco no aluguel.
Sala da Doutor Danúbio. Bons tempos.
Acho que essa foi a época mais produtiva da história do Real Valor.
A gente trabalhava cerca de 12 a 14 horas por dia no escritório focado em fazer o Real Valor dar certo.
Mas o trabalho não era só no escritório.
A gente morava junto e malhava junto também.
Era Real Valor 24 horas por dia.
Loucura trabalhar essas horas e ainda ter tempo para malhar né?
A gente tinha entrado numa competição informal que uma startup MUITO parceira nossa fazia na ACE.
Eles eram uma Healthtech e uma vez por mês realizavam exames de bioimpedância em todos os empreendedores do coworking.
Eu e Gabriel entramos no foco de melhorar nossos números, então começamos a tentar comer melhor e malhar sempre que possível. Sim, somos competitivos para CARALHO
Então apesar de trabalhar incontáveis horas, a gente estava focado em malhar todos os dias e comer saudável.
Dieta Real Valor
A gente estava tentando
Gastar o mínimo de tempo fora do escritório com afazeres chatos
Gastar o mínimo de dinheiro possível para sobrar mais dinheiro para a empresa
Ser o mais saudável possível
Isso significa que comida era importantíssimo.
Levar marmita para almoçar e lanchar fazia com que a gente gastasse menos dinheiro e tivéssemos uma dieta um pouco melhor.
Mas e o tempo?
Onde arranja tempo para cozinhar quando se está trabalhando 14 horas por dias?
A gente tinha uma solução para isso, mas a comida ficava ruim para caceta.
Tive que fazer esse gráfico para expressar os pontos fortes e fracos da dieta.
A comida tinha que ser econômica, rápida e saudável. O sabor infelizmente ficou prejudicado.
O arroz era feito numa panela elétrica: quem chegasse antes em casa colocava água e arroz na panela e ligava. Antes de dormir, alguém passava na cozinha e tirava da tomada.
No começo, fazíamos arroz integral. Depois migramos para o branco para ficar menos seco.
O arroz estava pronto. Ele não tinha sal, tempero e nem gosto. Mas ele dava quase 0 trabalho para fazer e era barato.
O frango era um problema maior. Era comum a gente chegar em casa lá pelas 23h, botar 2kg de file de frango numa assadeira (com tempero) e colocar no forno para dar menos trabalho do que grelhar.
Depois, de botar o frango no forno, a gente tipicamente jogava 1 ou 2 partidas de jogo de Catan.
As vezes, a gente lembrava de tirar o frango na hora certa. Mas geralmente a gente se esquecia e o forno se encarregava de sugar até a última molécula de h2o do frango.
Imagens fortes. Desculpe. Mas precisava que você entendesse melhor.
A marmita do almoço era esse frango seco e arroz sem gosto todos os dias.
Todos.
Os.
Dias.
Esse prato ficou carinhosamente conhecido como Frango Saara, porque quando ao dar uma garfada, você se sentia no deserto do Saara devido à aridez do prato. Lembra que o Francis Bacon falava que a falta de amigos faz o mundo parecer um deserto? É porque ele não comeu um Frango Saara.
Nessa jornada para comer “bem” e barato, minha dieta consistia basicamente em arroz, frango, ovo, banana e aveia. Não tudo ao mesmo tempo, obvio.
Talvez fique mais fácil de explicar a dieta explicando a minha rotina padronizada.
A rotina do dia a dia
Eu acordava e ia direto na cozinha colocar 4 ovos para cozinhar e voltava pro meu quarto para tomar banho.
Depois de tomar banho e me arrumar, ia para a cozinha tomar café e desligar o fogo.
O café da manhã consistia em colocar leite, bananas congeladas e aveia no liquidificador.
Um detalhe importante: essas bananas eram compradas na xepa da feira pelo menor preço possível.
O feirante queria se livrar das bananas para não ter que levar embora, então a gente pegava os restos. Não importava se era banana prata, d’água, nanina, maçã. Eu comprava MUITA banana por 5 reais.
Voltando da feira com uma ou duas bananas...
Chegava em casa, descascava e congelava tudo.
O pessoal faz blend de carne para dar mais sabor no hamburguer. Na minha vitamina matinal tinha um blend de banana, por ser mais barato mesmo.
Depois de tomar o café, fazia a marmita do almoço: arroz e frango do Saara. Em dado momento, aprendi a colocar mostarda e creme de ricota também para tentar adicionar um mínimo de umidade e facilitar a deglutição sem precisar de 1 litro de água por garfada.
Colocava os ovos num outro pote. Eles seriam o lanche da tarde.
Os ovos obviamente ficavam mais cozidos do que o razoável. Eles ficavam uns 20 minutos no fogo.
Permita-me lembrar que o objetivo era ter pouco trabalho. Eu inclusive prefiro ovo mexido, mas o ovo cozido não sujava a panela.
Eu estava pronto para ir trabalhar 14h no dia.
Ia pro trabalho sozinho (O Gabriel ia um pouco mais tarde).
Era uma caminhada de uns 20 minutos ouvindo audiobook sobre startups.
Eu ficava no escritório de 9:30 até umas 22-23 todo dia. A gente costumava ser os últimos ou penúltimos a ir embora.
O lado bom de ser o último a ir embora é poder tirar fotos com o escritório vazio.
A volta para casa era trocando ideia com o Gabriel sobre como melhorar o produto, melhorar a aquisição de cliente, como monetizar, etc.
Eram 20 minutinhos de caminhada naquele frio do inverno Paulista em que o termômetro marca 8 graus, mas a sensação térmica é de norte da Suécia.
Chegando em casa, era hora de preparar a comida para o dia seguinte com o mínimo de trabalho possível e jogar as famosas partidas de Catan.
Foto de uma partida de Catan da época.
Você pode estar se perguntando:
“Ue, mas não falou que tava no foco da academia? Quando achava tempo para malhar?”
A gente malhava na Smartfit mais próxima da ACE por volta das 16:00 todos os dias.
Um dos benefícios de ser empreendedor é poder fazer o seu horário né? O nosso tinha um break as 16:00 porque era o momento mais vazio da academia.
Muitas dessas idas a academia era com o pessoal da N2b (a Healthtech que fazia as bioimpedâncias e influenciou a gente a entrar nesse modo foco).
Curiosamente eles foram adquiridos pela própria Smartfit alguns anos depois e hoje são o SmartNutri.
Reflexões sobre o período
O dia a dia era puxado. Muito trabalho, pouco tempo livre e comida ruim.
Mas esse período de sacrifício em São Paulo nos fortaleceu.
Você se torna muito mais resiliente quando aprende a viver nessas condições. Inclusive, começa a valorizar muito mais coisas do cotidiano que ninguém valoriza.
Trabalhar 8 horas no dia é quase part-time para mim hoje. Comer uma comida gostosa é um grande luxo.
Toda situação difícil que você passa na vida pode te empurrar para trás ou para frente. Depende de como você encara. Essa vivência em São Paulo com certeza me empurrou para frente.
Um amigo que fiz na aceleração vivia um dia a dia mais extremo. Ele dormia no próprio coworking e pagava Smartfit para poder tomar banho. Ele literalmente morava no escritório para economizar e fazer a startup dele dar certo.
Próximo capítulo
Semana que vem eu volto a falar mais sobre os desafios técnicos do Real Valor.
Vou falar de quando colocamos o premium na rua, fizemos besteiras FORTES e do momento que o programa da aceleradora chegou ao fim, forçando-a a decidir se iria investir 150 mil reais na gente ou não.
PS: essa rotina de gastar o mínimo possível fez eu ser cogitado para fazer uma propaganda do Toyota Etios, porque eles queriam focar na economia do carro. Vou falar sobre isso no próximo texto.